Garrafa 253 – Ser simples, sem ser simplista   9 comments

Como já nos advertia Albert Einstein: “Tudo deve ser o mais simples possível, nunca mais simples do que isso.”

Da leitura de “A Estratégia da Genialidade – Einstein” de Robert Dilts posso depreender que ele queria dizer que cada situação ou sistema tem uma complexidade inerente que lhe é própria e que deve ser respeitada. Se tentarmos ir além de determinados limites impostos pela natureza do próprio sistema, descaracterizaremos completamente a situação e ela se tornará outra coisa e não a expressão mais simples do sistema que desejamos representar. Nesse ultimo caso nos tornamos simplistas e corremos o risco de jogar fora o bebe junto com a água suja do banho de simplicidade que lhe pretendemos aplicar.

E para se definir complexidade é sempre necessário especificar o grau de detalhe com que o sistema é descrito, sendo os detalhes mais finos ignorados. E sempre é necessário deixar algo de fora. Os físicos chamam isso de granulação grosseira. Como no caso de uma antiga fotografia, sua granulosidade estabelecia um limite sobre a quantidade de informação que ela podia oferecer. Quando numa fotografia um detalhe era tão pequeno que necessitava ser ampliado para ser identificado, a ampliação podia mostrar os grãos fotográficos individuais. E se o filme fosse muito granulado e o melhor que a fotografia como um todo pudesse dar fosse uma impressão grosseira do que tinha sido fotografado, o filme apresentaria uma granulação grosseira.

E não é simples definir “simples”. Como nos adverte Murray Guell-Mann em “O Quark e o Jaguar”: “provavelmente não há um único conceito de complexidade que possa exprimir adequadamente nossas noções intuitivas do que a palavra deve significar”. Entretanto, pelo menos uma maneira de se definir a complexidade de um sistema é fazer uso do tamanho de sua descrição. E, além disso, qualquer definição de complexidade depende necessariamente do contexto, e é mesmo subjetiva. O tamanho da descrição variará, portanto, com a linguagem utilizada, e também com o conhecimento e a compreensão do mundo que aqueles que se comunicam repartem entre si.

Eliminando-se descrições desnecessariamente longas, poderemos chegar a uma definição do que pode ser chamado de complexidade rudimentar:

“o tamanho da mensagem mais curta que descreverá o sistema, para um dado nível de granulosidade grosseira, para alguém distante, empregando uma linguagem, conhecimento e compreensão que ambas as partes repartem (e sabem que repartem) de antemão”.

É o que todos procuramos fazer em nossas tentativas de comunicação, sistemas adaptativos complexos que somos, ao lidarmos com as complicações da vida, da poesia e da filosofia. E é por isso também que me aventuro, impondo-me o desafio de utilizar em minha expressão poética e filosófica, sempre que possível, a métrica do haicai tradicional de 5/7/5 silabas, embora a temática nem sempre seja a do haicai tradicional. E sei muito bem que quase nunca sou bem-sucedido em minhas tentativas de explicar o inexplicável, mas gosto de registrar que quase sempre me divirto tentando.

É assim! É da natureza das coisas! Temos que conviver com nossa incapacidade de descrever os sistemas complexos em sua completude e totalidade e admitir um determinado grau de granulosidade, de incompletude, de imperfeição. E nossos amigos japoneses, em sua sabedoria milenar, inventaram uma expressão para definir a beleza que mora nas coisas imperfeitas e incompletas. Trata-se de Wabi-Sabi. Um termo que é de difícil tradução e que talvez possa ser entendido como uma maneira de se perceber as coisas através das lentes da simplicidade, da naturalidade e da aceitação da realidade que simplesmente insiste em ser como é.

Em minhas pesquisas pela internet encontrei quem afirmasse que esse conceito surgiu por volta do século XV. Quem sabe? E como grande apreciador de historinhas e metáforas, não resisti à tentação de reproduzir e incorporar neste texto pelo menos uma delas:

“Um jovem chamado Sen no Rikyu (1522-1591) queria aprender os complicados rituais da Cerimônia do Chá, e foi procurar o grande mestre Takeno Joo. Para testar o rapaz, o mestre mandou que ele varresse o jardim do mosteiro e o jovem Rikyu lançou-se feliz à tarefa. Limpou o jardim até que não restasse fora do lugar nem uma folhinha sequer.
Ao terminar, Rikyu examinou cuidadosamente o que tinha feito: o jardim perfeito, impecável, cada centímetro de areia imaculadamente varrido, cada pedra no lugar, todas as plantas ajeitadas com o máximo de capricho. E então, antes de apresentar o resultado ao mestre, o jovem chacoalhou o tronco de uma cerejeira e fez com que caíssem algumas flores, que se espalharam de maneira displicente pelo chão.
Mestre Joo, impressionado, admitiu imediatamente o jovem no seu mosteiro.
Rikyu veio a se tornar um grande Mestre da Cerimonia do Chá e, desde então, foi reverenciado como uma daquelas poucas pessoas que entendeu a verdadeira essência do conceito de wabi-sabi: a arte da imperfeição”.

E por que todo esse palavrório em um texto que se propõe a falar de simplicidade? Em um texto que, em sua versão original, constava apenas de um breve haicai que supostamente deveria resumir a ideia central a ser transmitida – “retirar mais do que por“ – e apenas silenciar diante de qualquer comentário posterior? Foi o que fiz até agora…

Acontece que a primeira e única pessoa que comentou este post no Blog, alguns meses depois de sua publicação, aliás um bom amigo, disse o seguinte: “É melhor dar que receber…” E nada mais foi dito a respeito. Só ontem à noite, em uma rede social, foi que uma segunda pessoa, outra boa amiga, me alertou para uma possível interpretação equivocada da ideia central do haicai, a de que “é melhor retirar do que por” e uma ficha caiu na minha cabeça. Ela questionou se a mensagem deveria ser interpretada como “Retirar mais de si, despojar-se? Ou retirar mais do outro?” Respondi que penso que só o outro poderia tirar de si mesmo, se assim o desejasse… E que o sentido que queria dar era realmente o de despojar-se, despir-se, desnudar-se. De espremer o caldinho em busca da essência, enfim… Mas só então percebi a força da interpretação alternativa. Não tinha pensado nela até então. A de alguém “tipo sanguessuga” que não contribui com nada e ainda retira do sistema. Fiquei realmente pensativo. E todos nós conhecemos gente que age dessa maneira… E não pretendo oferecer incentivo para essa atitude com esse haicai… Pois é!

Imaginava que a imagem que acompanha o post pudesse deixar claro a que tipo de retirada estava me referindo no haicai. Trata-se de um desenho de John Lennon em que ele retrata a si próprio e à sua companheira Yoko Ono com grande economia de traços, retirando mais do que pondo, desenhando apenas uma metade de cada figura individual e fundindo-as em uma figura única para transmitir a ideia original. Penso que o título do desenho traduzido também é significativo: “Dois é Um”. Apesar disso, muita gente realmente pode pensar que a mensagem transmitida é a de que vale a pena, e é até melhor, apenas sacar e retirar sem fazer nenhum depósito prévio, sem oferecer nenhuma contribuição. E me dei conta de que muitas centenas de pessoas viram o post original de acordo com as estatísticas de acesso do Blog… Esse foi meu insight tardio. E toda essa conversa fiada é apenas para deixar claro para os futuros leitores e aqueles que, tendo visto o post original, desejarem voltar a nos visitar, que essa não é a ideia.

Algumas pessoas se perguntarão: isso fará alguma diferença para alguém cujo entendimento aceite tranquilamente essa prática de saque oportunista sem nenhum questionamento? Provavelmente não! E esse também não é o tipo de leitor que acha interessante permanecer por mais de um minuto no meu Blog. E daí? Penso comigo mesmo: Ok, podem se sentir encorajados a saquear e retirar à vontade… Mas quem sabe se ao tomarem conhecimento desses comentários iniciais não poderão oferecer de volta pelo menos um sorriso? Isso seria suficiente pra mim. Se não, paciência… É questão de Nível de Desenvolvimento de Consciência.

Dito isto, decidi agregar essas considerações iniciais ao texto do post e manter o haicai quase da mesma maneira como foi parido, alterando apenas sua ultima linha substituindo “é o caminho” por “é um caminho”. A primeira forma agora me soou pretensiosa. Esse pode ser apenas mais um caminho… Quem sabe?

Pausa para um breve haicai:

simplicidade!
retirar, mais do que por,
é um caminho…

Eduardo Leal
Desenho de John Lennon “Two is one”
Instruções de utilização: Ouvir “Swept Away” com Spyro Gyra

9 Respostas para “Garrafa 253 – Ser simples, sem ser simplista

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  1. Caro haijin
    Pensamentos
    complementares.

    Magister dixit::
    é melhor dar
    do que receber

    Vamos meditar dia e noite….[Sl 1]
    Forte abraço
    Claudio

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  2. Haijin,

    O caminho !
    Caminho wabi-sabi
    Um caminho ?

    Shalom…

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    chdecarvalho
    • Olá Claudio, agradeço por seu questionamento, agora em formato que me prece familiar… Desde seu comentário em 2012, já tivemos prazerosas conversas pessoais sobre o tema. Venha sempre! Você é muito bem-vindo! Um grande abraço!

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  3. … espremer o caldinho em busca da essência… tem sido esse o meu movimento pela vida afora… José Eduardo, mais uma vez, parabéns pela amplitude e abrangência que subjaz a este texto, contagiado de profunda essência e que promove pessoas a uma instância e a uma dimensão superior de si mesmas.

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    Neuza Santos
    • Olá Neuza, Agradeço pela visita e comentários agregados ao post. Estamos juntos nesse projeto de busca da essência. Sou grato pelas suas palavras sempre gentis. Venha sempre para uma visita. E compartilhe o que apreciar com os amigos! Você é sempre muito bem-vinda! Um grande abraço.

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  4. Ao ler esse excelente texto me recordei das noites e dias de estudo para o famigerado C-CEM. Entre os princípios de guerra elencados pela DBM o terceiro deles era o da simplicidade. Vale ressaltar que as modernas escolas de administração valem-se cada vez mais de princípios e sistemática adotadas pelos militares. O que nos leva a considerar: “não estávamos delirando”!
    Grande abraço,

    Mol

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  5. Meu sorriso é
    um agradecimento
    a você, José!

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    Neuza Maria Santos de Souza

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